Crônica de Nélson Motta. Achei interessante a forma de abordagem da globalização:
"Fui à Europa pela primeira vez em 1963, com 19 anos. Quando o DC-8 da Panair se aproximava de Lisboa, vi do alto um mundo estranho, com todas as terras cultivadas e organizadas como eu nunca havia visto, e, às margens de um grande rio que se encontrava com o mar, uma cidade branca de telhados vermelhos. Tudo era diferente: o ar, a água, as ruas, os cheiros, as pessoas de preto caminhando pelas calçadas de pedras portuguesas, as lojas acanhadas com roupas que pareciam antiquadas e cafonas, mesmo para um brasileiro provinciano. Parecia um outro mundo, em um outro tempo. E era só Portugal.
Hoje, caminhando pela Baixa ou pelo Chiado, o que se vê é parecido com São Paulo, Buenos Aires ou Barcelona: Zara, Mango, Gap, McDonald, Hãagen-Dazs, Chanel, Kenzo, Nike, Adidas, Foot Locker, Puma, Armani... os mesmos canais de TV nos hotéis... todo mundo fala inglês...
Em Paris ou em Madri não é muito diferente, a não ser na escala. Os comércios locais quase desapareceram. A maioria vende cópias de grifes internacionais. Restam os camelôs e as terríveis lojas de turistas. Como em Roma ou no Rio de Janeiro.
Uma boa parte do glamour das viagens no século passado desapareceu, graças à globalização. Claro, isto valoriza ainda mais as diferenças no urbanismo, na arquitetura das cidades, nos restaurantes, nos cafés, na língua, nos museus, na história viva. Mas sinto uma certa nostalgia de coisas que só existiam em alguma cidade ou país distante, e só lá. Hoje estão todas em qualquer shopping de São Paulo. E até nos supermercados. Ou na internet.
Saudades do tempo em que uma viagem aos Estados Unidos significava também comprar uma calça Lee, chicletes Bazooka ou pasta de dentes Crest. Hoje, os jeans são fabricados aqui, ou na China, chicletes do mundo inteiro estão em qualquer bar e a pasta em qualquer farmácia. Trazer de Paris uma camisa Lacoste para o pai, ou um perfume Chanel para a mãe, era o máximo. Os discos que só saíam em seus países. Tudo que não existia no Brasil.
Agora, nas viagens, o que vale não é o que se compra, mas o que se vê, se ouve, se sente e se aprende."
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